11/24/2005

Gould's Book of Fish

Um livro estranho, "Gould's Book of Fish. A novel in 12 fish" de Richard Flanagan. Tinha que ler, claro, que mais não fosse pelo assunto e pelas imagens dos peixes. Mas não sou o único a ficar confuso: as críticas abrangem todo o leque do elogio rasgado às acusações de pretensiosismo. Há aspectos interessantes, como as múltiplas circularidades, que pedem uma segunda leitura para melhor captar o respectivo sentido. Mas não vou fazê-la nos tempos mais próximos...

Dito isto, devo dizer que gostei do capítulo final. Aqui fica um extracto:
"I like my fellow fish. They do not whinge about small matters of no import, do not express guilt for their actions, nor do they seek to convey the diseases of kneeling to others, or of getting ahead, or of owning things. They do not make me sick with their discussions about their duties to society or science or whatever God. Their violences to one another-murder, cannibalism-are honest & without evil."

10/27/2005

He paints fish

Intervening Action (2005)

Descobri há algum tempo o trabalho de Jason Scarpace, um pintor que se especializou... em peixes. Como se pode ver no seu site (que se chama, obviamente, ipaintfish), Scarpace usa cores vivas em pinturas dinâmicas, com um efeito estético que a mim me agrada muito.

Este é um fruto bonito da árvore da arte ictiológica, cujas raízes vêm pelo menos desde o Paleolítico.

6/23/2005

Como peixe na água




Os peixes e os livros são duas das minhas paixões. E encontrar imagens que juntem as duas coisas não é fácil. Tinham-me oferecido o marcador da esquerda há alguns anos e tem sido o companheiro fiel de muitas noites. E ontem, juntamente com o último/primeiro livro do Heinlein chegou o espectacular marcador da direita. A emoção é demasiada!...

6/07/2005

Os peixes na arte paleolítica


Lortet, Pierre Citerne
Não sei como dei com a referência da tese de Pierre Citerne, "Les poissons dans l'art paleolithique. Un theme figuratif au coeur de l'iconographie Magdalenienne" (2003). Mas não resisti a pedir uma cópia, e o autor foi suficientemente simpático para ma oferecer.

Já conhecia, claro, a iconografia do período, mas sempre a associei a animais terrestres. Acho fascinante encontrar representações de peixes com mais de 10.000 anos de idade, de um período em que grupos de pessoas, que ainda não dominavam a utilização de metais, (re?)colonizavam a Europa após o final da última glaciação. A grande abundância de desenhos, nas paredes e nos objectos de uso corrente, permite-me imaginar que não seria difícil encontrar alimento e que as pessoas tinham tempo para dedicar a actividades criativas. Que inveja...

Citerne consegue identificar várias espécies de peixes, apesar de quase metade dos pictogramas ter uma intenção mais decorativa que naturalista. Os salmonídeos eram os animais mais representados (80%), mas também se encontram pleuronectiformes, lúcios, esturjões, enguias e ciprinídeos. Curiosamente, são quase todos de água doce- os peixes de água salgada encontram-se sobretudo na arte parietal. Seria interessante saber se a ênfase nos salmonídeos teria correspondência com a importância destes peixes na alimentação, mas o autor faz um abordagem cautelosa deste assunto.

A terminar, deixo aqui também a imagem da única representação de um peixe obtida por piquetagem conhecida para o Paleolítico europeu e proveniente de... Foz Côa.

Figura de peixe de Foz Côa

1/11/2005

As carpas e a invenção do alfabeto


A propósito de uma discussão passada, descobri que existia uma tradução portuguesa das “Just so stories”, de Rudyard Kipling (“Histórias assim mesmo”, 1999, Ed. Caminho, admiravelmente traduzidas por Ana Saldanha, no âmbito da sua tese de doutoramento). São histórias para miúdos, de facto, mas têm camadas, como eu gosto. Eles riem-se com os disparates e as cenas caricaturais, e nós ficamos a pensar no resto.
Comecei pel'“O Filho de Elefante”, porque tinha visto referências ao poema final, cuja primeira quadra merecia figurar em todos os laboratórios de investigação, e nas capas dos cadernos de todos os estudantes universitários:
Tenho seis criados, vai pasmando
(Tudo o que sei me ensinaram bem)
Chamam-se O Quê e Porquê e Quando
E Como e Onde e Quem.
Numa outra história, “Como a primeira carta foi escrita”, Kipling descreve uma cena muito cómica que resulta da tentativa de Taffimai Metallumai (que quer dizer «Pessoa-pequena-sem-maneiras-nenhumas-que-devia-ser-açoitada»), a esperta filhinha de Tegumai Bopsulai («Homem-que-não-põe-um-pé-à-frente-do-outro-à-pressa»), de mandar um recado à sua mãe através de um desenho feito numa casca de salgueiro. A história passou-se no Neolítico e foi gravada numa presa de elefante que fazia parte de uma velha trompa tribal da Tribo de Tegumai. Tegumai tinha partido a sua lança a pescar carpas no rio Wagai, e a primeira carta alguma vez escrita pretendia dizer “Mãe, traz a lança preta grande, que está dentro da caverna”. A mãe pensou que a filha e o marido estavam a ser atacados e alvoroçou a tribo inteira.

A pequena Taffimai, assustada mas ao mesmo tempo fascinada com o poder da sua invenção, inventou o alfabeto com a ajuda do pai, para resolver o problema de transmitir o que queria dizer de maneira a não haver más interpretações.
A primeira letra inventada foi o “A”. A maneira de a dizer lembrou a Taffimai uma carpa com a boca escancarada. “Não sabes como elas ficam de cabeça para baixo a escarafunchar na lama?” perguntou ela ao pai. E desenhou-a assim (1). Foi Tegumai que lembrou que as carpas têm barbilhos (2), e a letra acabou por ficar mais ou menos como a conhecemos hoje (3).

A segunda letra foi o Y, que seria a cauda da carpa.

Já se está a ver que imaginação não faltava a esta dupla. O “S” inspirou-se na cobra, claro, o “O” num ovo, e por aí adiante. Os peixes voltaram a ser fonte de inspiração para o “G”, de glutão, que foi desenhado a partir da boca do lúcio (30), ficando o “K” a ser representado por uma lança atrás desse mesmo símbolo (31).

Esta é pois uma importante contribuição da Ictiologia para a cultura universal, a somar aos textos literários de Bertolt Brecht e do Pe. António Vieira (guardados aqui).