1/05/2006

Gaspar Frutuoso


Santas “férias”: consegui um bocadinho para re-ler Gaspar Frutuoso. Foi uma leitura muito focada em procurar as descrições das lagoas de São Miguel, mas mais uma vez me impressionou pela forma vívida como nos faz recuar quinhentos anos, a um tempo em que se apanhavam pombos torcazes à mão, ou se caçavam porcos nos matos de Ponta Delgada.

A minha perquisa foi recompensada. Fui à procura de referências a peixes de água doce... e encontrei-as!

Mas antes um pouco de história. A primeira referência que conheço a peixes de água doce nas lagoas é dos irmãos Bullar (1841, A winter in the Azores and a summer at the baths of Furnas) que viram “peixes vermelhos” nas Furnas. Já existiriam esses animais nas lagoas antes do povoamento?

No capítulo XLIX do segundo volume do Livro Quarto das Saudades da Terra, Frutuoso descreve a zona das Furnas, “a que alguns chamam boca do inferno”. Muito impressionado com os fenómenos vulcânicos, as referências que faz à lagoa são escassas, mas no final do capítulo deixa a seguinte pérola:

“anda nela [na Alagoa Grande] diversidade de aves em grande número, como são adens, mergulhões, maçaricos, galeirões, patas bravas e outras espécies delas; podia-se criar ali infinidade de peixes de água doce, se houvesse curiosidade para os trazer a ela, de fora.”

O que quererá Frutuoso dizer com "de fora"? Esta expressão pode referir-se a outras lagoas nos Açores, mas não encontrei mais nenhuma referência a peixes dulçaquícolas nas Saudades da Terra. A interpretação que considero mais lógica é que Frutuoso se refere ao continente, como em "de fora dos Açores". Isto significaria uma confirmação de que os peixes de água doce não existiam nos Açores no final do séc. XVI.

A forma como os peixes vermelhos (prov. Carassius auratus) chegaram à lagoa das Furnas, a ponto de lá existirem em abundância no início do séc. XIX, constitui também um problema interessante. Nunca me convenceu a hipótese de António S. Vicente (Introdução de peixes de água doce nas lagoas de S. Miguel. Açoreana , 1956, 5 (3): 297-305) de esses animais terem sido introduzidos naturalmente, através de ovos transportados por aves de arribação. Encontrar-se-á algum dia um documento que esclareça esta questão?