As Farpas são uma obra notável da nossa literatura, e podem ser lidas online ou descarregadas do site do Projecto Gutenberg. No tomo IX da nova série (Maio a Junho de 1877) existe uma interessante referência à ictiologia.
Ramalho Ortigão elege o estado da Marinha na época como "phenomeno mais expressivo da nossa anarchia administrativa e da nossa abdicação governamental". Sob a tese de que é estudando e incentivando a pesca que se constrói o capital humano e material de apoio a uma Marinha credível, Ortigão insurge-se contra o abandono a que o governo da época vota a actividade pesqueira. As condições de apoio e planeamento estatal à pesca do bacalhau em França são constrastadas com o desgoverno da mesma pesca em Portugal:
"Quando eramos fortes mandavamos cincoenta ou sessenta navios de pesca para a Terra Nova. Hoje pescamos na costa o carapau para o gato, servindo-nos de redes que deveriam ser prohibidas, despovoando as aguas de pequenos peixes insignificantes, que pelo contrario pesariam dois kilos e seriam um importante artigo alimenticio, se tivessemos estudado os nossos apparelhos de pesca e soubessemos legislar sobre a dimensão permittida ás malhas das redes."E continua Ramalho Ortigão, dando mostras de um bom conhecimento dos aspectos fundamentais da gestão de recursos pesqueiros:
"As especies de peixes que frequentam as nossas costas estão por estudar. A piscicultura não tem sido objecto de maiores disvellos que a ictyologia: nem uma só medida tomada pelo Estado para repovoar as aguas das nossas costas e dos nossos rios principaes; nenhum estudo feito sobre os botes e sobre os apparelhos empregados na pesca."
Insurgindo-se em seguida com as condições desumanas da vida dos pescadores da Póvoa do Varzim, "os homens mais alentados e mais robustos que tem Portugal", o nosso melhor polemista termina com um elogio à iniciativa da Academia [Real das Sciencias de Lisboa] "de nomear o sr. [Felix] Brito Capello, naturalista adjunto do museu zoologico, para ir estudar ao longo do nosso littoral a industria da pesca e de expôr os meios de a reorganisar."
Brito Capello (irmão de Hermenegildo Capello, explorador africano) tinha publicado no Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes da citada Academia catálogos dos peixes e dos crustáceos de Portugal, mas Ramalho Ortigão refere-se sem dúvida ao seu artigo "Algumas considerações ácerca da industria piscicola em Portugal", publicado em 1876 no tomo V (19): 159-164 da mesma revista.