8/24/2007

Emoções e sentimentos nos peixes?



Discuti este ano com os meus alunos os textos de Peter Singer sobre a distinção entre ser humano e pessoa, no contexto da ética aplicada à caça dos cetáceos. Basicamente, Singer define “pessoa” como qualquer ser com consciência de si próprio enquanto entidade autónoma, com um passado e uma perspectiva de futuro. Paralelamente, discorre sobre o fundamento do direito à vida das pessoas. O seu raciocínio, cristalino e de difícil refutação, leva à conclusão de que qualquer pessoa tem direito à vida, independentemente da espécie a que pertença.

Pensadores despreconceituados e minimamente informados não terão dificuldade em admitir que os grandes símios devem ser incluídos nesta categoria, havendo até já batalhas legais sobre o assunto, como a do chipanzé Hiasl. A legião de admiradores dos cetáceos, entre os quais me incluo, não quererão ficar atrás [v. Marino, 2004]. E muitos donos de cães e de papagaios [v. tb. Emery & Clayton, 2005 e Emery, 2006], que podem contar histórias mais ou menos incríveis sobre a inteligência dos seus amigos não humanos, ficarão contentes em ver vindicados a sua dedicação e o seu amor.

Conferir o estatuto de pessoa a um animal não humano (repare-se na imediata necessidade de alterar a nomenclatura) tem, porém, implicações morais e, por consequência, económicas. De facto, se é pacífico e até in defender o direito à vida dos grandes símios, que dizer dos porcos, por exemplo? Imagine-se o que seria proibir, à escala planetária e por razões éticas, o abate de porcos! Claramente, esta é uma via em que é necessário prosseguir com cautela. E, a certa altura, definir uma linha: acima dela estarão as pessoas, humanas ou não, abaixo os animais não humanos. Uma minhoca, por exemplo, não é, claramente, uma pessoa. Nem uma estrela-do-mar. Mas, e um peixe?

Recentemente surgiram uma série de trabalhos nesta área, muitos dos quais felizmente disponíveis na internet. Destes sugiro:

Braithwaite & Boulcott, 2007. Pain perception, aversion and fear in fish. Diseases of Aquatic Organisms, 75: 131–138.

Chandroo et al., 2005. An evaluation of current perspectives on consciousness and pain in fishes. Fish and Fisheries 5: 281–295.

Lund et al., 2007. Expanding the moral circle: farmed fish as objects of moral concern. Diseases of Aquatic Organisms, 75: 109–118. [A expressão vem do livro de Peter Singer e é glosada, e.g., neste artigo de Albert Mosley]

Volpato et al., 2007. Insights into the concept of fish welfare. Diseases of Aquatic Organisms, 75: 165-171.

Aconselho sobretudo o excelente artigo de revisão de Leonor Galhardo e Rui Oliveira: Bem-estar Animal: um Conceito Legítimo para Peixes? Revista de Etologia 2006, 8(1): 51-61. Estes autores concluem que os peixes são sencientes, i.e., têm consciência de sensações e sentimentos. Sentem dor, têm medo, sofrem com o stresse. Não poderão ser considerados pessoas, mas (concluem estes autores):
"A existência de senciência confere aos peixes um estatuto moral com implicações éticas na sua protecção. Apesar de a legislação já englobar a protecção de todos os vertebrados, existem ainda inúmeras questões acerca do bem-estar de peixes que importa esclarecer, sendo a formulação de recomendações para a manutenção e tratamento destes animais em cativeiro uma necessidade cada vez mais pertinente."

Fica pois a pergunta: onde, na escala evolutiva dos peixes aos primatas, passa a linha que divide pessoas de não pessoas?

2 comentários:

Anónimo disse...

Salve, Mestre!!
Sabe quando éramos meninos pequenos, amando os animais, com sua consciência muito própria nesta longuíssima escadaria evolutiva, e seu legítimo senso de comunicação já tão desmistificado por nós da Ciência? E olhamos ao redor e vemos ainda hoje, agora que crescemos (?), os adultos entendendo os animais do mesmo jeito que as plantas, meros materiais de efeito DECORATIVO??
Mestre Azevedo, eu vos saúdo.

Profa. Nina Dias, Biologia, Rio de Janeiro, Brasil.

José Azevedo disse...

Salvé, Nina.

Não me chame mestre, que eu ando até cheio de dúvidas existenciais sobre o meu papel como professor :-)

Será que a ciência desmistifica, ou apenas transforma um tipo de mito noutro?