2/27/2007

Farpas no bacalhau



As Farpas são uma obra notável da nossa literatura, e podem ser lidas online ou descarregadas do site do Projecto Gutenberg. No tomo IX da nova série (Maio a Junho de 1877) existe uma interessante referência à ictiologia.

Ramalho Ortigão elege o estado da Marinha na época como "phenomeno mais expressivo da nossa anarchia administrativa e da nossa abdicação governamental". Sob a tese de que é estudando e incentivando a pesca que se constrói o capital humano e material de apoio a uma Marinha credível, Ortigão insurge-se contra o abandono a que o governo da época vota a actividade pesqueira. As condições de apoio e planeamento estatal à pesca do bacalhau em França são constrastadas com o desgoverno da mesma pesca em Portugal:

"Quando eramos fortes mandavamos cincoenta ou sessenta navios de pesca para a Terra Nova. Hoje pescamos na costa o carapau para o gato, servindo-nos de redes que deveriam ser prohibidas, despovoando as aguas de pequenos peixes insignificantes, que pelo contrario pesariam dois kilos e seriam um importante artigo alimenticio, se tivessemos estudado os nossos apparelhos de pesca e soubessemos legislar sobre a dimensão permittida ás malhas das redes."
E continua Ramalho Ortigão, dando mostras de um bom conhecimento dos aspectos fundamentais da gestão de recursos pesqueiros:

"As especies de peixes que frequentam as nossas costas estão por estudar. A piscicultura não tem sido objecto de maiores disvellos que a ictyologia: nem uma só medida tomada pelo Estado para repovoar as aguas das nossas costas e dos nossos rios principaes; nenhum estudo feito sobre os botes e sobre os apparelhos empregados na pesca."

Insurgindo-se em seguida com as condições desumanas da vida dos pescadores da Póvoa do Varzim, "os homens mais alentados e mais robustos que tem Portugal", o nosso melhor polemista termina com um elogio à iniciativa da Academia [Real das Sciencias de Lisboa] "de nomear o sr. [Felix] Brito Capello, naturalista adjunto do museu zoologico, para ir estudar ao longo do nosso littoral a industria da pesca e de expôr os meios de a reorganisar."

Brito Capello (irmão de Hermenegildo Capello, explorador africano) tinha publicado no Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes da citada Academia catálogos dos peixes e dos crustáceos de Portugal, mas Ramalho Ortigão refere-se sem dúvida ao seu artigo "Algumas considerações ácerca da industria piscicola em Portugal", publicado em 1876 no tomo V (19): 159-164 da mesma revista.

2/08/2007

O maneirismo português...


O Amor Virtuoso castigando a Fortuna, Francisco Venegas, c. 1580-1590
Gabinete de Desenhos do MNAA, Lisboa

Foto: Arnaldo Soares, © ANF/IPM

... ou os vários usos de um peixe.


Desde as histórias de Astérix que não via um peixe ser utilizado para castigos corporais. Esta imagem tem no entanto contornos bem menos inocentes que as desavenças de Ordralfabétix e Cetautomatix.

Francisco Venegas (15??-1594) foi um dos representantes de um estilo artístico designado por Maneirismo. Ocupando o espaço temporal entre o Renascentismo e o Barroco, os maneiristas tiveram bastante expressão em Portugal, sobretudo na pintura. Revoltando-se contra a contenção e a formalidade do Renascentismo, introduziram poses teatrais e arrojadas e um equilíbrio de cores ousado.

É deste autor, também, outra obra, digamos, invulgar: uma Santa Maria Madalena (c. 1570-1580), exposta na Igreja da Graça, Lisboa.